terça-feira, 22 de maio de 2007

RG - Grandeza Moral e Audácia Espiritual.

“Esta hora exige grandeza moral e audácia espiritual”. Com essas palavras, Abraham Joshua Heschel, um dos maiores pensadores judeus do século XX, encerrou um telegrama ao presidente John Kennedy. Ele cobrava ações concretas sobre os direitos civis dos negros na década de 60. Depois desta mensagem, mesmo sendo branco e judeu, Heschel marchou pelas ruas de Selma, no Alabama, ao lado de cristãos como Martin Luther King e Andrew Young.

O Brasil também precisa de “grandeza moral e audácia espiritual”. Os problemas seculares que envergonham a nação continuam intocados: injustiça social, destruição da rede hospitalar pública, favelização das grandes metrópoles, abandono do micro produtor rural, falta de políticas de segurança pública e outras mazelas. O “Florão da América” aparece com colocações medíocres em alguns índices de qualidade de vida da ONU; ganharia campeonatos de mortes no trânsito, de assassinatos à mão armada e de imigrantes ilegais barrados ou deportados de países como Inglaterra e Estados Unidos. A imprensa faz sua parte denunciando a vergonha nacional e as ONG´s lutam para reverter algumas realidades.

E os evangélicos? Existem heróicos esforços de gente que se embrenha pelos sertões abrasantes do Nordeste, pela selva da Amazônia e nas periferias e morros pobres. Como movimento, os evangélicos continuam patinando em questiúnculas teológicas, eternamente debatendo pontos e vírgulas de textos controversos. Sobram exorcistas que sabem “amarrar demônios”, treinam-se evangelistas que salvam almas. A atuação evangélica como sal que evita processos de desintegração moral, ética, política é praticamente nula e o Brasil continua imoral, pobre, violento e atrasado.

Para que a presença evangélica se torne eficaz, é necessário repensar alguns pressupostos teológicos:

1. A Paternidade Divina.

Enquanto a Paternidade Divina não for conhecida, vivenciada e celebrada pelos crentes, sua espiritualidade se manterá utilitária, e pouco se conhecerá sobre a graça. Infelizmente se alastram superstições medievais; amuletos que supostamente “dão um ponto de contato” para a fé; correntes e campanhas que pretendem gerar “orações fortes”. Pouco se fala sobre a gratuidade do amor paterno, que sabe dar boas dádivas aos seus filhos; quase não se ouvem sermões sobre a inutilidade dos sacrifícios diante da grandeza do cuidado de Deus que provou seu amor ao entregar seu Filho, enquanto os homens ainda eram seus inimigos.


2. A natureza humana.

Os evangélicos ainda mantêm uma idéia preconceituosa sobre os efeitos do pecado na raça humana. Acredita-se que as pessoas são tão pecadoras que se deve manter distância dos “incrédulos”. Com essa visão de mundo, os crentes são inclinados a quererem viver em guetos, e a grande missão da igreja resume-se em tirar gente do mundo e trazê-las para dentro das igrejas, único ambiente que se acredita puro na face da terra. Essa visão descarta a compreensão de que, mesmo caídos, os homens ainda conservam a “Imago Dei” – expressão latina para “Imagem de Deus”. Significa que mesmo as pessoas que ainda não se converteram a Cristo, mesmo contaminadas pelo pecado, elas têm uma dignidade impar e podem ser honradas. Por isso, que mesmo sem ser cristãos, médicos, juizes, escritores, poetas, músicos, políticos e policiais podem ter comportamentos e atitudes que são nobres e merecem a atenção de todos, inclusive dos crentes.

3. A missão da igreja.

A missão da igreja não se constitui em salvar apenas as almas dos homens. É preciso que eles sejam salvos como pessoas. Isso significa que a missão da igreja não deve se resumir em preparar as pessoas para irem para o céu, mas em tornar o mundo em que vivem um lugar mais humano, mais justo e mais misericordioso. A missão da igreja também busca mudar as circunstâncias que aprisionam as pessoas. Elas também podem se satanizar. Não basta salvar a alma dos escravos, é preciso acabar com a escravidão; não basta resgatar os favelados da idolatria, é preciso desmantelar um sistema econômico que os condena à miséria; não basta condenar o aborto, é preciso dar às gestantes condições para sustentar filhos indesejados.

Por mais que seja necessário um avivamento de oração, piedade e leitura da Bíblia, ele será inócuo se a igreja não se conscientizar que Deus é Pai, que os crentes são apenas pecadores salvos pela graça e sua missão é tão terrena quanto espiritual.

Ricardo Gondim
Soli Deo Gloria.

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